Cláusula restritiva do direito de propriedade – Inalienabilidade
- Em 19/04/2023
As cláusulas restritivas dos direitos da propriedade, como a da inalienabilidade, que, no passado, eram usadas com o objetivo de proteger a família, os herdeiros e o patrimônio da família, não são mais tão bem recebidas assim, tamanho são os transtornos e consequências para os que possuem um bem clausulado.
De um lado o legislador, a partir do Código Civil de 2002, trouxe fortes limitações para a imposição da cláusula de inalienabilidade, exigindo que o testador declare no ato da lavratura do testamento o motivo que o levou a onerar a propriedade de seus sucessores com o impedimento para alienar, onerosa ou gratuitamente, e não só, que o motivo seja justo, não apenas banal, mesquinho ou como forma de vingança ou penalidade ao filho. Veja o artigo 1848, do Código Civil.
Tamanha foi a preocupação do legislador nesse sentido, que determinou também, que todos os testamentos feitos anteriormente à vigência do Código Civil de 2002, fossem aditados no prazo de um ano após a entrada em vigor do referido Código – artigo 2042, para que o testador declinasse os motivos justos que o levou a impor a cláusula restritiva de direito em desfavor de seus herdeiros ou sucessores na propriedade, sob pena de, não o fazendo, ser desconsiderada.
Outra questão que se extrai do artigo 1.848, do Código Civil, é que o dispositivo legal se limita a exigir a declaração da justa causa em testamentos e não em doações, trazendo discussões a respeito e diferentes interpretações.
Contudo, sem se alongar nessa questão, temos que se a doação for a título de adiantamento de legítima, nos parece razoável e coerente que também conste a justa causa, caso o doador decidir pela imposição da cláusula de inalienabilidade ao donatário (aquele que recebe a doação), em razão do potencial prejuízo que tal restrição poderá acarretar.
Entender diferente, ou seja, de que nas doações com imposição da cláusula de inalienabilidade como adiantamento da legítima do donatário/herdeiro não seja necessária a justificativa, seria o mesmo que negar e anular a proteção da lei à legítima, e aceitar que a exigência da justa causa seja burlada ou fraudada pelo doador.
Atente-se que as doações lavradas antes da vigência do Código Civil de 2002 que contenham a restrição da inalienabilidade sobre os bens e que seja considerado como adiantamento de legítima e não foram levados à registro na mesma ocasião, deverão ser ratificadas para constar a justificativa conforme entendimento legal e doutrinário atual. Caso, porém, um das partes não estiver viva, a questão deverá ser submetida à apreciação do Poder Judiciário.
Ainda hoje se vê testamentos lavrados há muito tempo e que não foram ratificados para adequar ao sistema imposto pelo atual Código Civil e, que por isso, ao ser utilizado causam discussões e surpresas negativas aos envolvidos.
De outro lado, os julgadores nos tribunais superiores de todo o país igualmente, na maior parte das vezes, rechaçam a cláusula restritiva de direitos, ainda mais quando o motivo a que levou o testador ou doador à imposição da limitação ao destinatário, já se encontra ultrapassado ou, se aquele motivo declarado não existe mais. Aqui, cabe ao prejudicado demonstrar e provar que, de fato, a causa que levou seus antecessores a restringir-lhe os direitos de propriedade, já não existem mais ou, são irrelevantes.
Não só agora, mas desde há muito, já se criticava as restrições e consequências das cláusulas restritivas da propriedade. Veja o que dizia Clóvis Bevilacqua em lição contemporânea a 1958, mas que se revela tão atual :
“A inalienabilidade imobiliza os bens, impede a circulação normal das riquezas, é, portanto, antieconômica, do ponto de vista social. Por considerações especiais, para defender a inexperiência dos indivíduos, para assegurar o bem estar da família, para impedir a delapidação dos pródigos, o direito consente em que seja, temporariamente, entravada a circulação de determinados bens. Retirá-los em absoluto e para sempre, do comércio seria sacrificar a prosperidade de todos ao interesse de alguns, empobrecer a sociedade, para assegurar o bem estar de um indivíduo, ou uma série de indivíduos.”
Esclareça-se, porém, que a vontade do testador ou do doador deve ser respeitada e analisada pelo Poder Judiciário, caso a caso, para, somente após, ser ou não cancelada a restrição imposta ao proprietário prejudicado.
O juiz, nesse caso, recebe a responsabilidade e o encargo muito grandes, não só para analisar os motivos que levaram o testador a impor uma restrição tão limitante sobre os bens de seus herdeiros, mas também para decidir se o herdeiro, e agora proprietário, já reúne condições de livremente dispor de seus bens, alienando-os a seu exclusivo critério, sem prejudicar a si próprio e a sua família.
Devemos lembrar que para alienar um bem gravado com a cláusula de inalienabilidade deve-se buscar uma autorização judicial, que poderá simplesmente autorizar a venda pelos motivos apresentado pelo prejudicado e determinar que com o produto da venda seja adquirido outro bem imóvel que conterá a cláusula da inalienabilidade, ou seja, a restrição acompanhará o patrimônio, dá-se a sub-rogação do vínculo, como se determina o parágrafo único do artigo 1911, do Código Civil.
Por outro lado, muito embora a lei não limite a cláusula de inalienabilidade sobre bem imóvel, é muito raro ver caso de inalienabilidade sobre bens móveis, isso mais reservado para obras de arte, quadros, joias de família, antiguidades valiosas, entre outros.
Por fim, é importante que a pessoa que se sinta prejudicada pelas restrições impostas através de doações ou testamento por seus pais ou antecessores, busque a tutela jurisdicional para ver o seu direito de livremente dispor de seu patrimônio, totalmente restabelecido.
Com mais de 33 anos de experiência, possui uma sólida carreira na área de família e sucessões, com ampla atuação conduzindo centenas de acordos de sucesso envolvendo famílias compostas por dezenas de pessoas com interesses heterogêneos e patrimônio comum.
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